24 de outubro de 2012

Ai me chamaram pra ir no Mocó...


Um dia desses eu estava passeando com um amigo por Casa Forte, o meu lugar preferido para me perder e que de tão bonito faz você esquecer que está perdido e achar que está passeando. Pois enquanto passeávamos pelo bairro, meu amigo me apontou uma casa, bem simples, com dois andares, cara de puxadinho, e disse “O restaurante de Marcílio é ai...”. Eu obviamente nunca tinha ouvido falar em Marcílio e só disse “Conte-me mais...” e ele continuou: “O nome do restaurante é Mocó, Marcílio é um cara que cozinha muito bem, abriu esse restaurante ai e não colocou nenhuma placa. É uma proposta diferenciada, para gente conhecida. Eu venho sempre ai com meus pais, é um clima muito bom. A gente tem que vir com a galera tomar uma cerveja ai um dia. Você toca a campainha ai e diz ‘Salve Jorge!’ que eles abrem a porta e o restaurante é lá em cima”. Eu, já acostumado a ir para lugares como Bar da Mira, do Zé Corninho, do Luna, do Cabo, sabia que alguma surpresa me esperava naquele lugar. Combinei com ele de irmos na semana seguinte, no sábado.

Convenci uns camaradas a gastar um pouco mais do que de costume num almocinho de sábado (eu já tinha sido avisado que não era muito barato e que não aceitava cartões), botei a camisa do meu santo, São Jorge, e lá fomos nós. Chegamos lá umas três da tarde e quando eu entrei eu já percebi que todas as ideias que eu fiz do lugar estavam erradas: era um lugar super acolhedor, com ar-condicionado, um tom bastante chique e o teto repleto de caixas de ovos de papelão para abafar a conversa em voz alta das pessoas, além de dar aquele toque rústico. Tudo parecia muito organizado, de bom gosto e como diria o Chapolin, friamente calculado. Comecei a não entender nada. Como um lugar daqueles não tinha uma placa na porta? Não se parecia em nada com nenhum dos outros bares-restaurantes supracitados - que também não tem placa na porta, mas que se mostram lugares bem mais “caseiros” assim que você entra. Na época do marketing viral, era de se admirar um lugar daqueles parecia querer permanecer desconhecido.

Sentamos numa mesa e logo a nossa frente estava a única outra mesa ocupada no recinto, uma família - que parecia ser três gerações de avós, pais e filhas - sentava quase a nossa frente. Começamos a pedir umas entradas e eu já fui sugerindo que a gente comesse apenas petiscos e tomasse muita cerveja. Foi nessa hora que eu peguei o cardápio para ler e percebi que tinha um textinho introdutório explicando de onde surgiu a ideia daquele bar-restaurante e de como ele tinha sido pensado com a ajuda de amigos do Marcílio e para ser um ambiente em que ele gostaria de servir seus amigos e os amigos deles. Tudo parecia perfeito e enquanto eu ia matutando todas as percepções que surgiam ao meu redor duas coisas foram se destacando: as filhas do camarada na mesa da frente eram muito bonitas - apesar de que eu só conseguia vê-las de relance quando uma virava de lado pra falar com a outra, pois estavam de costas para a nossa mesa - e que uma das possibilidades de eu nunca ter ouvido falar nesse lugar era de que a comida poderia ser muito-mais-ou-menos para o preço e por isso ninguém nunca fazia muita propaganda.

Quando eu dei a primeira mordida, arregalei os olhos e falei em voz alta: “AGORA EU ENTENDI TUDO!”, que obviamente foi seguido por uma risadagem do meus amigos e continuamos a comer e beber super felizes enquanto decidiamos se nós iríamos comer mais petiscos ou pedir a famosa carne de sol do lugar, que Pedro queria comer de todo jeito, a contragosto da minha pessoa, que queria experimentar o cordeiro ao molho de vinho.

Nesse ínterim chega o nosso velho amigo Romero, tio de outro amigo nosso que não estava lá, e que nós tínhamos encontrado mais cedo e combinado que ele aparecesse, coisa que não dava pra saber ao certo se ia acontecer, visto que o cara é a maior figura do mundo, super engraçado e com uma voz rouca que dá vontade de rir até ele falando coisa séria (não que eu já tenha visto ele falando alguma coisa séria). Romero, diferente de mim, obviamente já conhecia Marcílio de longas datas. - “Putz, Romero, tu conhece todo mundo mesmo né?” - “É que eu já vivi o dobro da tua idade, né abestalhado” - “Ô Romero, responde ai, tu tem essa voz assim desde quando mais ou menos?” - “DESDE QUE EU NASCI!” e começa a imitar um bebê falando com a mãe com a voz dele, para mais risadagem geral.

Marcílio já chegou na nossa mesa dizendo: “Um homem da sua idade andando com um bocado de rapaz mais novo.... nem precisa explicar viu. Se disser que algum é seu sobrinho complica mais, melhor ficar calado...”. A gente riu que só e eu só consegui completar essa piada com “O passivo é o fortão ai oh!” deixando meu amigo meio encabulado lá - “Ai tu me quebra”, disse ele.
Depois de muita complicação de pede mais petisco ou pede um prato de almoço resolvemos pedir a carne de sol. Enquanto a gente esperava Marcílio contava umas histórias engraçadíssimas que fazia todo mundo rir muito e terminou quebrando um pouco o gelo entre as mesas. Lá pras tantas ele trouxe um violão e pediu pra um dos meus amigos tocar, mas ninguém queria pegar essa responsabilidade pra si. Quando o pessoal da outra mesa começou a pedir também pra alguém tocar alguma coisa eu comecei a insistir muito pra Pedro tocar alguma coisa: “Vai Pedroca, não me decepciona, toca alguma coisa que faça essas meninas virarem pra cá pra nossa mesa, só pro ambiente ficar mais bonito, toca vai, toca...”. E Pedro, sem me desapontar, pegou o violão e mandou um “O Mundo é um moinho”, de Cartola, fazendo imediatamente as pessoas da outra mesa se virarem em nossa direção. Eu quase dei um beijo nele ali na hora mesmo de tão feliz que eu fiquei. Teve uma hora que o senhor mais velho da outra mesa aproveitou um momento de silêncio, virou pra sua esposa e disse: “Tá vendo, meu amor, quando você me pergunta o que é que eu tanto faço nos restaurantes até tarde: é isso aqui!” hahahaha foi uma tirada perfeita no momento perfeito, a esposa dele estava com cara de quem estava adorando tudo e agora ela não podia mais reclamar (até parece né, mas que eu achei genial o momento que ele usou pra fazer o comentário, isso eu achei).

Tocaram mais umas músicas e chegou a Carne de Sol, que estava perfeita. Ainda comemos uma sobremesa que era um waffle delicioso. Ficamos por lá bebendo mais um pouco, mas já eram quase seis da noite e alguns tinham que partir para novos compromissos, para tristeza geral da nação, que parecia ignorar que já estava escurecendo e a gente ainda estava no almoço.

Só posso dizer que eu sai de lá com três coisas na cabeça: a certeza que vou voltar, com a vontade de dizer aos quatro cantos do mundo que me apresentaram um lugar maravilhoso e com a dúvida se eu devia colocar o endereço do Mocó aqui ou não. Decidi não colocar, porque afinal, apesar desse blog não ser super popular, se ficarem distribuindo o endereço do lugar assim e chegar ao ponto de ter uma fila na frente (de modo que os amigos de Marcílio não consigam mais ir almoçar lá) vai definhar o propósito da coisa completamente. Então, se você leu até aqui, coloque Mocó Bar e Restaurante no google que nem todo mundo pensa feito eu e tem o endereço do Mocó em altos cantos da internet.

4 de dezembro de 2010

A reforma do meu prédio


                Escrevi esse email há uns meses atrás para um grupo de amigos, antes das eleições, e agora resolvi repostar aqui pra todo mundo. Eu só queria dizer antes que eu não sou contra nenhum tipo de religião, mas sim contra alguns religiosos, assim como eu não sou contra a política, mas alguns políticos... vocês já sabem...



                 Aqui no meu prédio está tendo uma reforma e por esses dias estão no meu andar. Acordo cedo com as pancadas e sou convidado a ouvir as conversas e discussões dos pedreiros. As piadas com graça e as sem, as que eu entendo e as que não.
- "Passa o whitelub ai!"
- "E eu vou gastar meu whitelub numa porcaria dessas?" - risadagem geral, o whitelub provavelmente nem é deles e talvez não seja nem Whitelub de verdade, mas com certeza eles não gostam da máquina do patrão.

                De vez enquanto tem uns gritos de desespero e eu sempre penso que alguém vai cair: "Ei, tá fazendo merda é? Cuidado ai! CUIDADO! CUIDADO! CUIDADO! EI EI EI!", sempre acaba em risadagem também. Pedreiro é gente feliz

                Quem não deve ser muito feliz é o servente. "Servente não faz nada certo mesmo, né? Hein? Tu já viu algum servente de pedreiro fazer alguma coisa certo?", gritava um deles outro dia, meio em tom jocoso. Já o pobre do estagiário de engenharia - que não tem nome, assim como os outros, que são todos "irmão", "cumpadre", "cavalo", "doente", etc. - leva a culpa por não fazer nada: "ô ixtagiário!!! Alguém chama esse infiliz desse ixtagiário que não faz nada o dia todo! Pergunta a ele se ele quer trabalhar!"

                Nada passa desapercebido por eles, tudo tem rima, retrucagem e até erro de português é corrigido na hora, feito caldo-de-cana. Um coitado falou "preda" hoje... pra quê?! Virou motivo de chacota. Chacota essa, claro, em português errado, como sempre. Mas vai falar "preda" pra tu ver só o que acontece.
- "Será que a gente acaba essa parte hoje se correr?"
- "Rapaz, se a gente correr a gente cai, isso sim", replicou o outro se referindo ao fato de que eles estavam de pés num parapeito de janela do décimo segundo andar.

                Bom, pelo menos não tem palavrão, acho que são todos evangélicos. Um dia desses um estava furioso e gritou revoltado com os outros: "EI! EI RAPAZ, PARA COM ISSO! PARA COM ISSO SEUS BANDO DE FARISEUS!". Eu ri alto. Nem lembrava o porquê dos fariseus serem tão odiados, faz tempo que tive aula de religião no colégio e só vou à missa em morte de parente próximo pra não dar desgosto a família. Eu só sei que eles não gostavam mesmo dessa gente, não devia se salvar um fariseu, né?

                Ai hoje eu acordei mais cedo, seis e meia eu estava na sala e resolvi ligar a TV, coisa que faço muito raramente. Dei de cara com o Pastor Silas Malafaia. Não gosto desse cara... tem até nome de fariseu (pelo menos eu acho!).  E não é que o pastor estava brabo (pra variar)? Um cara tinha aberto uma Igreja nova em Goiás com o nome "Vitória em Cristo". O problema é que segundo seu Silas esse nome é de patente dele e que o sujeito tinha agido “no mínimo de má fé”, mas que ele não ia chamar de “pilantra” ainda (hein?), porque a acessoria de imprensa dele estava tentando resolver a situação sem entrar na via judicial. Poxa seu Silas, desculpa ai, mas eu também não sabia que esse nome era patenteado do senhor. Eu pensava que "Vitória" já era de Galvão Bueno e Cristo era  de domínio público mesmo. Seu silas acabou o programa mandando depositar um dinheiro na conta do Bradesco da igreja dele e olhe lá se você não depositar!

                Então mudei de canal e estava passando uma cantora gospel... escutei a primeira frase antes de mudar de canal: "e então eu fiquei cega... e não pude enxergar..." mentira! Pensei que tu não podia mais ouvir, por isso que tava cantando uma asneira dessas.

                Mudei de canal outra vez e lá estava R.R. Soares. Esse sim eu gosto. Ele até parece com o pastor dos Simpsons! Nunca o vi de cara fechada, domina a arte da oratória como poucos e nunca dá um ponto sem nó. Nenhuma pergunta fica sem resposta ou é respondida com arrodeios, além do mais o método dele de arrecadação é muito mais elaborado e menos constrangedor. Você dá porque Deus mandou. É assim: primeiro ele discursa sobre uma passagem bíblica, a de hoje foi Coríntios II, capítulo 3 versículo 5, que diz "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus". E fez todo um discurso sobre como nós éramos incapazes de pensar por nós mesmos e que todo nosso pensamento vem de Deus. Com todo respeito pastor, essa eu fui conferir! Peguei uma bíblia ENORME que tem aqui em casa, dessas que ficam abertas na sala, cheia de figuras lindas, pinturas renascentistas etc. (pelo menos ficava aberta no meu apartamento antigo, agora não mais) E num é que tava lá? E além disso, na minha passagem de vista pelos Coríntios encontrei uma parte ótima: os tais dos fariseus eram os maiores hipócritas do pedaço e parece que foram eles quem mataram Jesus; pô, eu sempre achei que tinham sido os italianos.

                Pois bem, o pastor continuou e contou uma história de quando ele estava em Dallas, nos EUA, quando entrou uma mulher obesa no restaurante, daquelas obesas americanas, que dá pena, segundo ele. A amiga dele o desafiou: "Pastor, duvido o senhor ir lá e dizer para aquela mulher comer menos". Ai ele explicou para a platéia, sabiamente, que a cultura americana é bem diferente da nossa e que abordar uma pessoa assim do nada é quase pedir pra levar um desaforo grande. Mas quem falaria por ele era Deus, então não teria problema. E lá foi ele ao encontro da tal jovem obesa e pediu, em inglês obviamente, como ele mesmo fez questão de frisar: "Minha jovem, desculpe eu me intrometer na sua vida, mas precisamos cuidar do nosso corpo, faça-nos um favor, pare de comer derivados de leite". HEIN?! Hahahahaha ele disse que a mulher sorriu e disse que sim. Acho que ela pensou "hmmm... leite acho que nunca tomei na vida... eu consigo! Ainda bem que não tem leite no bacon nem na coca-cola!" (E ela não deve saber que o queijo é derivado de leite, se não teria negado).

                Continuou o pastor com mais uma leitura de um trecho do Coríntios, esse eu não lembro qual, porque eu fiquei morrendo de rir na frente da tv e não fui ler na bíblia, esse eu acreditei, se tratava de como você tem que se doar e dar o que você tem a Deus. Como eu tinha dito, esse não dá ponto sem nó, primeiro tudo que você pensa é Deus quem disse, depois Deus disse pra você dar dinheiro a ele. E quem quisesse contribuir ali na hora era só levantar as mãos que já tinha uma galera de terno na frente com boletos bancários do Bradesco. Você recorta a parte de baixo e escreve seu nome e endereço e deposita numa urna, ai assim que o pagamento daquele  boleto for confirmado você recebe em casa inteiramente grátis (hahay) uma revista do pastor RR Soares. Ou seja, quem pegar o boleto e não pagar, o pastor vai saber, viu?

                Ah pastor, esqueci de dizer que após ler o versículo 5 do Coríntios II, capítulo 3, eu continuei a leitura, diferentemente do senhor, e a versão completa dizia: "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus (aqui começa o versículo 4), O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica." Pô pastor, só porque tá em versículo diferente o senhor não pode cortar a vírgula que o senhor quiser, por favor né? Vírgula não é pontuação de conclusão, tem que ler o resto! Vai ver é por isso que fica uma galera acompanhando o culto com uma bíblia aberta pra conferir, aposto que esses não pagam nada.

                Ai eu me levantei, desliguei a TV e fui fazer outra coisa. Fiquei pensando que o Bradesco nunca vai quebrar e que agora eu sei porque tá tão difícil conseguir alguém com cartão Bradesco pra comprar o ingresso do show de Paul McCartney, eu acho que não tenho amigos evangélicos.

                Lá pelo meio da manhã interfonaram dizendo que ia subir alguém, entrar pela porta e passar para a varanda, onde os pedreiros trabalhavam. Eu já sabia há muito tempo que era o estagiário, porque os pedreiros estavam gritando pra ele subir fazia uns 10 minutos e danavam  a xingar o coitado de incompetente e de não querer trabalhar. Quando o rapaz entrou não restava dúvida que era o estagiário de engenharia, tinha no máximo 20 anos, bem vestido e de capacete branco, diferente dos laranjas dos pedreiros. Ele passou pela sala, abriu a vidraça da varanda e eu fui atrás: "Esse é o estagiário que vocês vivem chamando de incompetente é?" O bichinho ficou com uma cara murcha e os pedreiros calados, mais assustados com o fato de um morador ter interagido com eles do que com a pergunta. Então continuei sorrindo: "Não sejam hipócritas como os fariseus!". Dei uma risada como se fosse piada e eles ficaram rindo também. Não sei se eles sabem o que é hipócrita, mas nessa época de eleição essa palavra é tão medíocre pra explicar o que se vê por ai que eu acho que caiu em desuso. "É esse mesmo doutor" respondeu um dos pedreiros, mostrando que há sempre esperança e que os fariseus não são eles, coitados, e sim a galera da televisão. De todos os canais, infelizmente.

30 de novembro de 2010

Eu tenho uma cueca de 80 reais


Obviamente eu não comprei uma cueca de 80 reais. Também não ganhei. Calma pessoal, eu não roubei a cueca não. É uma longa história.
                Tudo começou com um presente de aniversário: uma calça jeans de marca. Eu não fazia a menor ideia de quanto custava aquilo. Era uma calça bonita, mas era só uma calça jeans, azul como a que eu estava vestindo na hora.
                O máximo que eu já havia pagado por uma tinha sido 100 reais e só fiz isso duas vezes na vida. Da primeira eu não me lembro, mas tenho certeza que comprei, porque a calça é muito estranha e ninguém ia me dar um treco daqueles. A segunda foi esse ano, quando após emagrecer 20 quilos todas as minhas calças jeans ficaram parecendo calças de palhaço e eu tive que me render ao Shopping Center e a pressão da minha mãe para eu comprar uma calça nova.
                Voltando a história da calça jeans granfina, quando meu pai me deu ela foi logo me dizendo: “mas você não vai pro show de Paul McCartney com ela, né?”. Juro que não entendi. Achei que era porque era uma calça nova e eu deveria ir com uma velha, como se eu tivesse mais de uma calça jeans. Chegando em casa eu experimentei e a calça não deu, mas como eu não iria usar tão cedo, esqueci ela aqui no meu quarto. A sacola ficou pendurada por quase um mês, fato que levou minha mãe a começar a botar pressão para eu ir trocar a tal calça, se não eu iria “perder muito dinheiro”. Não entendi novamente, mas como praga de mãe pega, eu fui trocar a calça no outro dia, porque na minha situação não dá pra ficar perdendo muito dinheiro assim. Chamei um amigo para ir comigo no shopping e fomos até a loja da Calvin Klein trocar a bendita calça.
                - “Ok, sua calça custa R$ 359, pode escolher outra.”
                 - “Acuma?”, teria dito Didi Mocó.
                Tudo ficou claro pra mim. Aquilo não era uma calça jeans do mesmo conceito que eu tinha antes: uma roupa de trabalho, duradoura, aguenta tranco, pau pra toda obra. Era uma peça de arte. Só pode, por esse preço não podia ser só uma vestimenta. Parece que eu já podia ver umas criancinhas chinesas costurando ela à mão. Meu amigo gritou logo:
                - “Não dá pra trocar por três calças não?”, eu balancei a cabeça afirmativamente todo animado e o vendedor foi logo fazendo cara de triste.
                - “Então 7 camisas?”, continuei. Negativa novamente. A camisa mais barata custava 129 reais.
                Lá vou eu escolher uma calça jeans. A mais barata custava R$ 319. Juro que não escolhi pelo preço, aliás, se eu soubesse do resto da história adiantado eu tinha mandado ele só me mostrar calças do mesmo preço da original. Acontece que eu tinha gostado muito dessa: era preta. Muito diferente da que eu tinha, que era azul. Perfeito, agora eu teria uma azul e uma preta! Nunca mais eu iria precisar comprar uma calça jeans na vida!
                Nessa hora eu tinha 40 reais de crédito na loja. E agora, José? Fácil! Eu estava precisando muito de um par de chinelos, que o antigo eu esqueci numa casa de praia em que passei um feriado.
                - “Quanto custam esses chinelos?”. Eram do mesmo material das havainas, só que lisos e com o nome Calvin Klein, então talvez eu levasse logo dois pares com o troco, né?
                - “Custam entre 50 e 70 reais”.
                - “É o jeito...”, falou meu amigo.
                - “De jeito nenhum!” - repliquei - “Se eu perder um chinelo de 70 reais eu vou ficar muito mal, sem contar que é igual a uma havaiana e deve ser feito de material alienígena, vai que meu cachorro pega um deles pra brincar e morre?!”
                 O vendedor se afastou um pouco e continuamos nossa risadagem olhando o preço das coisas. Tinha um chinelo lindo, de pano, muito bem feitinho, mas que quando vimos os R$ 219 na etiqueta demos uma gaitada tão grande dentro da loja que eu já estava querendo sair correndo e deixar os 40 reais de gorjeta pro vendedor.
                - “Po, me vê uma cueca ai, agora a mais barata que tiver!”
                - “Temos essa por R$ 50”. Era Horrível, assim com H maiúsculo mesmo.
                - “Traz outra de uma cor só, por favor”, já desesperançoso.
                - “Gostou dessa? R$ 79 reais”. Era só uma cueca boxer preta com o nome Calvin Klein em cima.
                Nessa hora meu amigo, já querendo ir embora daquele lugar, não menos do que eu, fez a seguinte conta de bêbado: “Você não acha que uma cueca boa vale R$25-30? Você não tem R$40 de crédito? Então pronto, faz de conta que essa é mais cara só por um lanche da McDonald’s que tu vai deixar de comer esse mês, paga logo essa merda e guarda essa cueca pra tua primeira lua de mel”.
                Concordei um pouco sem pensar direito e passei o cartão de crédito como se aqueles trinta e nove reais não fossem dinheiro. O pior foi ficar sem saber direito como eu ganhei um presente e terminei gastando dinheiro. 
                Já até usei a tal cueca, o que foi motivo de piada generalizada na casa de minha avó, onde o melhor comentário foi da própria dona da casa:
                - “Por que essa cueca tem um cinto em cima dela escrito Calvin Klein?”.
                Fiquei um pouco mais triste e não respondi nada, só fiquei pensando pra mim mesmo como aquilo não fazia sentido. Afinal, se você estiver me vendo só de cuecas é porque o árbitro já apitou o começo do jogo e vai ter gol na rodada.
                Fui embora fazendo piada de mim mesmo, como de costume:
                -“Pessoal, tenho que ir embora que tá um calor desgraçado e vocês sabem que ficar suando nessa cueca custa caro pra c....”.



                Se você estiver se perguntando como eu fui parar no almoço de domingo na casa de minha avó com a minha “melhor” cueca e uma bermuda tão folgada que dava pra vê-la, saiba que você não está ficando doido, mas a história é quase do tamanho dessa ou maior, então fica pra outra vez, eu acho que a maioria das pessoas que vem aqui nem lêem tudo até o final e ainda preferiam que fosse em quadrinhos.

24 de novembro de 2010

São Paulo


Eu me senti um matuto diante da grandeza de São Paulo e queria escrever um registro do meu ponto de vista dessa cidade maravilhosa. Eu vejo as coisas de uma maneira diferente da maioria, então não estranhe se algo estiver bonito demais ou exagerado demais. Foi como eu vi.

Quando eu cheguei a São Paulo, adiantei meu relógio em uma hora e fiquei pensando que uma hora da minha vida tinha se perdido numa timezone temporária; eu não tinha ideia de como uma hora era pouco pra as possibilidades de coisa que se tem pra fazer ali.
Primeiro eu descobri que os paulistanos levam esse negócio de happy hour na sexta-feira muito a sério! Os bares eram lotados às 19:00 e do lado de fora, na calçada, de vez enquanto tinha uma galera gritando qualquer coisa na maior muvuca. Fomos do hotel direto pra um desses, perto da Paulista, e já fomos confirmando o que todo mundo fala, que o atendimento é nota 10. Em menos de um minuto estávamos sentados e tomando a primeira cerveja sem praticamente dizer uma palavra. Pra ficar na faixa dos 6 reais a melhor opção era a Heineken de 600 ml, que por sinal é bem melhor que a longneck que eu estava acostumado. Tipo coca de 2L e coca de garrafa de vidro... tá ligado ne?
Outra coisa que me chamou a atenção no primeiro dia foi a quantidade de agências do banco Itaú. Muitas eram em casarões antigos, provavelmente tombados, que eram mantidos em cor pastel com apenas uma placa discreta do Itaú na frente. Tinha um desses que tinha um lustre na varanda que só ele merecia uma foto, mas eu não levei máquina. Tudo sem muros, grades ou qualquer coisa do gênero. Tinha uma agência dessas fantasiada de Natal logo na Paulista que era a coisa mais linda, caminhei menos do que queria ter caminhado na Av. Paulista, mas tinha muita coisa pra fazer, fica pra próxima.
Preferimos andar de táxi a metrô, porque dava pra ver mais a cidade. Todos os taxistas que pegamos foram extremamente atenciosos e receptivos. Um senhor chamado Jamil contou um milhão de histórias de gente de todos os tipos que já tinham entrado no táxi dele. Os que ele era mais invocado era a galera que o táxi dava 8,90 e o cara dava 50 reais e ele ainda era obrigado a dar 2 reais de troco ao cara porque não tinha trocado hehe. Teve um casal de americanos que já entraram no táxi e começaram a conversa entre eles sobre a noite anterior com o cara dizendo “Eu não disse que eu ia comer o seu …”, no que o seu Jamil retrucou de lá “Where are you from?”, fazendo a moça mudar de cor três vezes. Tiveram dois amigos árabes conversando sobre como um deles achou nojento tudo que a menina fez com ele na noite anterior e não é que seu Jamil, descendentes de árabes, também falava a língua da galera e fez a mesma piadinha constrangedora de sempre? Disse que o árabe ficou mais branco que Jesus Cristo naquelas fotos em que ele parece um membro da House of Lords britânica. Perdi a oportunidade de perguntar pro seu Jamil onde se comia a melhor Esfiha caseira de São Paulo, mas também não ia dar tempo de ir lá comer, fica pra próxima.
Teve até um taxista paulista, filho de pernambucanos de Salgueiro, que nos deu toda a dica de como voltar do show sem pegar um táxi que custaria 50 reais por cabeça - a famosa peneiragem, crime comum em SP segundo ele, mas altamente coibido pela fiscalização de trânsito - e não é que nós voltamos do show pagando R$ 2,70 num ônibus que nos deixou na esquina do hotel? Bom demais! Caminhamos pela paulista e logo estávamos na minha rua predileta, a Augusta, que infelizmente eu não tive a oportunidade de conhecer abaixo do número 1200, porque já tinha muita coisa pra fazer ali por perto da Paulista mesmo e a rua era grande demais, fica pra próxima.
Um dos taxistas, quando viu meu interesse, fez questão de explicar sobre todos os cemitérios da cidade, falando o nome todos que passamos: Consolação, Araçá e São Paulo. Um maior que o outro. Não pude dizer qual era o mais belo, porque não deu pra visitar, mas queria ter visto a tumba do Conde Francisco Matarazzo, no cemitério da Consolação, que segundo o taxista filósofo ficava atrás do ponto dele e servia sempre pra lembrar que não importava quanto dinheiro você tivesse, você iria acabar ali embaixo da terra.
Aprendi também que perguntar “é perto?” é sempre motivo de risadinha e que “dá pra ir andando?” é sempre afirmativo, com ressalvas se for mais de trinta minutos de caminhada. Na verdade achei tudo perto. Se você mora em São Paulo e acha alguma coisa longe, ou é você quem mora longe ou você não sabe aproveitar o bairro que tem. Por sinal eu não conheci São Paulo, eu conheci a zona sul. Todo lugar que a gente foi e eu perguntei “aqui ainda é zona sul?” levei um aceno de cabeça com as sobrancelhas franzidas como quem diz “É claro mano, inclusive você está muito longe de todas as outras”.  Eu queria conhecer um pouco as outras regiões, mas não dava tempo, fica pra próxima.
Chamar os outros de “mano”, por sinal, é a maior limpeza. Até as meninas chamam umas às outras de mano, coisa que eu achei estranhíssimo a princípio, mas abstraí logo em seguida quando me lembrei de tudo que se fala por aqui, né não véi? Inclusive colocar o óculos escuro pendurado na gola da camisa é considerado o mais baixo nível do brega paulistano, coisa que eu estou acostumadíssimo a fazer, e quando escureceu as meninas me obrigaram a colocar os óculos no bolso, porque em cima da cabeça era coisa de mulher.
Brinquei demais com os sotaques, coisa que paulista não tem, segundo eles, e inclusive mangam do sotaque do pessoal do interior de SP. Aliás, mangam não, “te tiram”, porque mangar ninguém sabia o que era e eu também não sabia explicar a etimologia da palavra, então ficamos todos no verbo pronominal mais utilizado por ali: tá me tirando, mano? Expliquei a eles que aquele sotaque forçado de nordestino em novela da globo me dava muita raiva e que agora que eu tinha visto o sotaque deles de perto eu ia rir muito mais com o carioca Marcelo Adnet fazendo sotaque forçado de paulista nesse filme que está estreando agora. Quando a intimidade foi crescendo tentamos explicar que se fala Recife e não “Récife”, mas que mesmo assim as vogais são “a e i o u” e não “a ê i o u” e que era por isso que eles falavam Janela e não “Janêla”. Não teve jeito, eles não têm sotaque e não abrem mão do “ê” por nada nesse mundo.
Como Pernambucano é o povo mais bairrista do mundo, fiz questão de dizer que era devoto de São Luiz Gonzaga, mas não o da igreja católica e sim o sanfoneiro filho de Januário. Cantei um pedaço do refrão do hino sertanejo “Luar do Sertão”, e logo me disseram: “essa música ficou grudada na minha cabeça!” - bom, ai os créditos são divididos com os irmãos do Ceará. Defendi o nosso Carnaval com unhas e dentes, com tanta força que me obrigaram a dançar um frevo no meio da Rua da Harmonia, na Vila Madalena, um dos melhores pólos de bares que eu já visitei. Dancei, para a alegria de uns e tristeza de outros; Capiba mesmo deve ter se remexido no túmulo dizendo “Assim não, rapaz!”.
Quando cheguei ao Mercado Municipal fiquei logo maravilhado. O lugar era lotado de gente, cores e cheiros. As filas pra comer um pastel de bacalhau eram imensas em alguns lugares, mas tinha lugar pra caramba. Escolhemos um e decidimos fazer um “tour gastronômico” pedindo em uma só bandeja um sanduíche de pernil com queijo, um pastel de bacalhau e um bolinho de bacalhau. Era comida pra três pessoas, mas eu e Edson só deixamos um restinho do pastel de bacalhau. Pra completar tomamos dois chopes Brahma Black que era tirado com maestria num copo em que só se via um dedo de chope e você era obrigado a ver a química maravilhosa do creme se transformando em bebida até chegar no ponto que você gostava. No final Edson virou pra mim e disse “Ei, eu tô suando” e eu respondi que também estava. A comida era barra pesada, delícia danada!
Saindo do mercado fomos para a Rua 25 de Março, que já meio que fechava suas portas. Quando a polícia vinha, numa caminhada hipócrita, os ambulantes recolhiam suas coisas e corriam, numa cena cinematográfica que parecia um arrastão e a princípio foi cômica, mas logo se tornou trágica: assim que entramos na galeria Pagé eu percebi que ali eram vendidos os mesmos produtos piratas da rua, mas só que seguranças de terno e gravata com walkie-talkies garantiam que a polícia ali não entraria para perturbar ninguém. Comprar uma água dependia se a polícia tinha passado recentemente ou não, porque sim, eles também perseguiam os vendedores de água, coisa que nem a própria polícia concordava, como vimos um policial falando para um dos vendedores “vai rapaz, some logo, vai..”, agora comprar um pendrive... ai era outro esquema! O negócio era tão sério que tinha gente “ilegal” (ou “de fora da galeria Pagé”) vendendo pendrive dentro da galeria como se fosse droga, suspirando no seu ouvido “olha o pendrive mais barato!” quando você passava.
No shopping Higienópolis, o único que visitei, fiquei desnorteado quando vi um cara passeando com um lindo labrador dentro do shopping tão chique. Pensei comigo mesmo “que cara sem noção...”. Dois minutos depois outro cachorro, e mais outro, e mais outro. Ei, pode passear com o cachorro no shopping! Senti-me um matuto e com inveja desse direito ao mesmo tempo. Fiquei sabendo que ali tinha um Outback só depois que cheguei em recife, que pena, queria muito ter comido no Outback, fica pra próxima.
Comer, aliás, foi o que eu mais fiz. Chega voltei mais gordo. No bar do Genésio pedimos uma “Moelada com Fritas” só pra ver se eles sabiam fazer moela. Claro que não. Ou melhor, era bem diferente da receita piauiense que eu estou acostumado a comer na casa da minha avó, mas era gostoso. Vinha obviamente servido com uma porção de pão francês em fatias, como não se pode deixar de comer uma boa refeição, coisa que os paulistanos sabem fazer muito bem. E olhe que eu perdi um rodízio de Mexicano que me disseram ser uma delícia (e não duvidei) e nem pude passar no bairro da liberdade pra comer comida japonesa que não fosse sushi. Que pena, fica pra próxima.
Outra vez que me senti um matuto foi quando entramos na padaria Bella Paulista, que eu ia dizer que era bela, mas ia ficar cacófono. Eu não sei muito bem como descrever esse lugar. Porque se eu disser que é um restaurante eu vou estar mentindo, se eu disser que é um bar eu vou estar mentindo e se eu disser que é uma padaria você não vai entender um décimo da situação. Lá pela terceira vez que fomos lá Edson soltou a piada mais óbvia que eu ainda não tinha pensado: “Eu acho que aqui vende até pão!”.
            A Bella Paulista era aberta 24h e nunca vi nada fazer tão jus ao horário que tem escrito gigante em letras prateadas perto da porta. Tinha gente comendo lá 24h por dia. Nos horários mais próximos das refeições era pelo menos meia hora de espera pra poder pegar uma mesa e isso inclui as 5:00 da manhã de um sábado, que é um horário de refeição como outro qualquer. Na primeira vez pedi um sanduíche sem nem olhar o preço, de tão gostosa que estava a descrição, e logo iria descobrir porque o valor era múltiplo de três. O pão baguette vinha dividido em três partes, que eu creio que já era para três pessoas comerem. Comi o primeiro pedaço daquela delicattessen e já não sabia o que fazer com o resto. Fiquei com vergonha de deixar mais no prato do que eu tinha comido, porque isso é coisa de mulher e empurrei o pedaço do meio pra dentro. Já não sabia o que fazer com o terceiro pedaço quando me foi sugerido pela prima de Mari, que eu levasse pra casa embrulhado nos guardanapos e assim o fiz. Foi o meu almoço do dia seguinte, juro. Não só juro como era o dia do show de Paul McCartney e eu lhes garanto que aquele pedaço de pão e um sorvete de duas bolas da mesma padaria foram as duas únicas coisas que eu comi durante todo o dia, até as duas da manhã do dia seguinte, quando comeríamos uma pizza sem queijo na pizzaria Vitrine, na Rua Augusta (quem mandou deixar Pig fazer o pedido!).
            Olha, a padaria Bella Paulista marcou tanto meu coração que depois de ouvir tudo que eu tinha pra dizer, Edson, o meu companheiro de quarto, falou a coisa mais certa que se podia dizer como quem entendeu perfeitamente tudo que eu disse: “Se tu vier morar em São Paulo tu vai passar dois meses frequentando essa padaria todo dia às cinco da manhã, né?”. Desdobrar essa frase de maneira que quem não estava naquela noite pudesse entender requer um texto só pra isso e que eu só vou escrever se um dia a bendita inspiração vier visitar aqui a minha terra.
            Com certeza eu estou me esquecendo de muita coisa que não veio até minha cabeça enquanto eu escrevia isso, mas que com certeza está guardado no fundo do meu coração. Não dava pra escrever assim de uma vez só tudo que eu vi, fiz ou queria fazer. Só gostaria de agradecer a todos os que me receberam com tanta simpatia.
            Quando eu cheguei a Recife na segunda-feira e atrasei meu relógio em uma hora, senti uma dor inexplicável de quem não queria recuperar aquela hora de volta e sim ter gastado em alguma esquina da cidade de São Paulo. Quem sabe um dia eu não tenho a oportunidade de morar um tempo por lá e escrever um livro inteiro.